Por Augustus Nicodemus Lopes
Recentemente minha atenção foi despertada para este assunto por um
ativista gay que veio aqui no blog Tempora-Mores questionar minha
afirmação de que o padrão bíblico é o casamento heterossexual e monogâmico.
“Como assim?” questionou o sábio e entendido ativista (que se declarou
ex-evangélico), “no Antigo Testamento temos a poligamia como modelo de
casamento usado por homens como Abraão, Davi e Salomão, e o silêncio cúmplice
de Deus sobre suas mulheres e concubinas”. E soltou sua conclusão, que da mesma
forma que Deus no passado alterou o padrão de casamento, da monogamia para a
poligamia, podia também em nossos dias alterar o casamento heterossexual para
homoafetivo. Então, tá.
Como eu não havia antecipado este
argumento no post sobre teologia gay,
achei que deveria dar alguma atenção ao mesmo e escrever algo sobre poligamia.
Aos fatos, então.
Encontramos no Antigo Testamento
diversos exemplos de poligamia. Os mais conhecidos são estes:
Lameque – duas esposas: Ada e Zilá
(Gn 4.19).
Patriarca Abraão – três esposas:
Sara, Agar, Quetura e várias concubinas (Gn 16.1-3; 25.1-6).
Esaú – três esposas: Judite, Basemate
e Maalate (Gn 26.34-35 e 28.9).
Patriarca Jacó – duas esposas: Raquel
e Lia, e duas concubinas: Bila e Zilpa (Gn 29.21-35).
Elcana – duas esposas: Ana e Penina
(1Sm 1.1-2).
Juiz Gideão – muitas esposas e
concubinas (Jz 8.30).
Rei Davi – sete esposas: Mical,
Abigail, Ainoã, Maaca, Hagite, Abital, Eglá e mais outras mulheres e concubinas
(1Sm 25.40-43; 2Sm 3.2-5; 5.13; 2Cr 14.3).
Rei Salomão – a filha de Faraó,
setecentas outras esposas e trezentas concubinas (1Rs 3.1; 11.1-3).
Rei Acabe – uma esposa: Jezabel e
outras mulheres e concubinas (1Rs 16.31; 20.2-5).
Rei Abias – catorze mulheres (2Cr
13:21).
Rei Roboão – duas esposas: Maalate,
Maaca, mais dezoito outras mulheres e sessenta concubinas (2Cr 11.21).
Rei Joás – duas mulheres (2Cr
24.1-3).
Rei Joaquim – muitas mulheres (2Cr
24.15).
Estes fatos levantam várias perguntas, sendo a mais importante esta:
Deus sancionou e aprovou estes casamentos poligâmicos? Se não, por que não há
uma proibição clara da parte dele? Seu silêncio significa que o modelo de
casamento pode variar com a cultura – monogâmico, heterossexual, poligâmico,
homossexual – e que isto pouco importa para Deus? Em resposta ofereço os
seguintes pontos como resultado do meu entendimento destes textos acima e de
outros referentes à poligamia no Antigo e Novo Testamento.
1. Sem dúvida alguma, o padrão divino para o casamento sempre foi a
monogamia heterossexual, isto é, um homem e uma mulher: “Disse mais o SENHOR
Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja
idônea... Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando- se
os dois uma só carne” (Gn 2.18-25).
2. O desvio deste padrão ocorreu somente depois da queda de Adão e Eva
(Gn 3), começando com Lameque, o assassino vingativo, filho de Caim (Gn 4).
Depois dele, a poligamia foi praticada por diversos motivos. Entre os exemplos
de poligamia no Antigo Testamento, encontramos alguns que eram políticos, ou
seja, para selar tratados internacionais, como Salomão que se casou com a filha
de Faraó (1Rs 3.1) e Acabe que casou com Jezabel, filha do rei dos sidônios
(1Rs 16.31), além das mulheres que já tinham. Há outros casos em que o desejo
de ter filhos e preservar a descendência parece ter motivado a aquisição de
mais uma esposa ou concubina, no caso da esterilidade da primeira esposa, como
foi o caso de Sarai ter trazido sua serva egípcia Agar para Abraão (Gn 16.1-4),
costume praticado no Antigo Oriente. Provavelmente foi o mesmo caso de Elcana,
casado com Ana (estéril) e depois com Penina (1Sm 1.1-2). Havia também o desejo
de ter muitos filhos em caso de guerra (cf. Jz 8.30; 2Sm 3.2-5; 1Cr 7.4, 11.23,
etc.). Nenhum destes casos, porém, justifica a poligamia, pois se trata de um
desvio do padrão monogâmico.
3. Apesar do surgimento da poligamia cedo na história de Israel, a
monogamia continuou a regra entre os israelitas e a poligamia, a exceção.
Abraão mandou seu servo conseguir uma esposa para seu filho Isaque (Gn 24.37).
Na genealogia dos descendentes de Judá, de entre dezenas de nomes, apenas um é
citado como tendo tido duas mulheres, Asur (1Cr 4.5). No livro de Provérbios
encontramos o encorajamento ao casamento monogâmico (Pv. 5.15-20; 12.4; 19.14).
A ode feita à mulher virtuosa em Provérbios 31 pressupõe que ela é a única
esposa do marido felizardo. Mesmo que Cantares tenha sido escrito por um
polígamo, que foi Salomão, transparece claramente dele que o casamento é entre
um homem e uma mulher, figura da relação de Deus com seu povo Israel. A
poligamia, por razões econômicas, acontecia quase que exclusivamente entre os
ricos, como os juízes e reis.
4. Os profetas tomam o casamento monogâmico para ilustrar a relação
entre Deus e seu povo Israel (Jr 2.1-2; Os 3.1-5; Is 54.1-8; Jr 3.20). O
profeta Malaquias denuncia a prática que havia em seus dias dos judeus se
separarem de sua esposa para casarem com estrangeiras, mostrando assim que a
poligamia não era o padrão estabelecido e muito menos o padrão comum e normal
em Israel (Ml 2.13-16).
5. A lei de Moisés trazia diversas restrições e cuidados quanto à
poligamia em Israel. A mulher israelita que fosse comprada para ser a segunda
esposa teria os mesmos direitos que a primeira e seus filhos seriam igualmente
herdeiros (Ex 21.7-11). O filho primogênito, ainda que da esposa aborrecida,
teria o direito de herança acima do filho da esposa amada (Dt 21.15-17). Um
homem casado não poderia casar com a irmã da sua esposa, o que provocaria a
rivalidade entre ambas (Lv 18.18; cf. Gn 30.1).
6. Vários destes exemplos de famílias poligâmicas registrados no Antigo
Testamento são acompanhados dos problemas que o sistema inevitavelmente
causava. Os judeus casados com mulheres pagãs eram levados a adorar os deuses
delas e assim pecar contra Deus. Havia uma advertência na lei de Moisés aos
futuros reis de Israel contra a poligamia neste sentido: “Tampouco para si
multiplicará mulheres, para que o seu coração se não desvie” (Dt 17.17),
conselho este que não foi seguido por Salomão, cujas muitas mulheres pagãs o
levaram à idolatria em sua velhice (1Rs 11.1-8). Foi assim que Neemias
interpretou o episódio de Salomão e suas muitas mulheres, quando proibiu os
judeus depois do cativeiro de multiplicar esposas pagãs (Ne 13.25-27).
7. Além do risco da apostasia, a poligamia trazia profundos conflitos
nas famílias poligâmicas. Havia ciúmes entre as mulheres, que disputavam entre
si o amor do marido e competiam em número de filhos (Gn 16.4; 1Sm 1.5-8; Gn
30.1-26). Podemos ainda mencionar a angústia que as mulheres pagãs de Esaú
trouxeram a seus pais (Gn 26.34-35). O marido acabava gostando mais de uma que
da outra, favorecendo a amada e desprezando sua rival e seus filhos (Gn 29.30;
1Sm 1.5; 2Cr 11.21), o que levou a lei de Moisés, para amenizar esta situação,
a estabelecer a lei dos filhos da aborrecida (Dt 21.15-17). Outro problema
trazido pela poligamia dos reis de Israel era a briga entre os filhos das
diversas mulheres quanto à sucessão, muito bem exemplificada na sucessão de
Davi, veja 1Reis 1.
8. No Novo Testamento na época de Jesus a monogamia era claramente o
padrão entre os judeus. Quando alguns fariseus vieram experimentar Jesus com
uma pergunta capciosa sobre o divórcio, o Senhor respondeu tendo o casamento
monogâmico como pressuposto comum e aceito: “Não tendes lido que o Criador,
desde o princípio, os fez homem e mulher e que disse: Por esta causa deixará o
homem pai e mãe e se unirá a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne? De
modo que já não são mais dois, porém uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou
não o separe o homem” (Mt 19.3-19).
9. Nas igrejas cristãs entre os gentios, o padrão monogâmico estava já estabelecido,
embora na sociedade grega a poligamia fosse conhecida e praticada. Escrevendo
aos coríntios Paulo declara: “Quanto ao que me escrevestes, é bom que o homem
não toque em mulher; mas, por causa da impureza, cada um tenha a sua própria
esposa, e cada uma, o seu próprio marido” (1Co 7.1-2). Aos Efésios, ele compara
a relação entre o marido e a esposa à própria relação entre Cristo e sua
Igreja: “Eis por que deixará o homem a seu pai e a sua mãe e se unirá à sua
mulher, e se tornarão os dois uma só carne. Grande é este mistério, mas eu me
refiro a Cristo e à igreja” (Ef 5.22-33).
10. Paulo claramente proíbe que os líderes das igrejas gentílicas fossem
polígamos ou bígamos. Os bispos/presbíteros tinham de ser “esposos de uma só
mulher” (1Tm 3.2; Tt 1.3-5) bem como os diáconos (1Tm 3.12).
Portanto, não há dúvida, em meu entender, que o padrão de Deus sempre
foi o casamento monogâmico heterossexual, estabelecido na criação, e que a
poligamia do Antigo Testamento foi um desvio deste padrão, em decorrência do
pecado que entrou no mundo pela queda de Adão. Em Cristo, Deus restaura o
casamento à sua forma original.
Contudo, pode parecer que Deus aprovou ou sancionou a poligamia,
considerando que a lei de Moisés trazia regulamentações referentes a ela e que
não há uma proibição direta de Deus contra a poligamia. Pode ser que nunca
venhamos a entender completamente o silêncio de Deus neste assunto, mas uma
coisa é certa: ele não significa que o assunto é indiferente para o Senhor e
nem que “quem cala consente”.
1. As regulamentações da lei de Moisés sobre a poligamia não podem ser
vistas como uma aprovação tácita da parte de Deus quanto ao casamento
poligâmico, uma vez que este nunca foi o padrão por ele estabelecido. Trata-se
da misericórdia de Deus protegendo as esposas e filhos de casamentos
poligâmicos, uma amenização de uma distorção do casamento até a chegada do Messias.
2. Deus nos revela sua vontade de maneira gradual e progressiva nas
Escrituras. No Antigo Testamento ele se revelou em figuras, tipos, promessas. A
sua revelação final e definitiva se encontra no Novo Testamento. Antes de
Cristo ele suportou sacrifícios de animais, passou leis referentes a comidas, o
sistema de escravidão e levirato, o apedrejamento de determinados pecados, a
lei de talião (olho por olho), o divórcio por qualquer motivo, etc. A
poligamia deve ser vista neste contexto, como uma das coisas que Deus suportou
na antiga dispensação e que foi definitivamente abolida em Cristo, à semelhança
de várias outras.
3. A encarnação e manifestação de Cristo ao mundo trouxe à luz a verdade
outrora oculta, agora revelada pelos apóstolos e profetas, que Cristo é o
cabeça de sua igreja, um povo único, composto de pessoas de todas as raças,
tribos e nações, como o homem é o cabeça da mulher. E que a relação de
amor-submissão entre marido e mulher é uma expressão da relação amor-submissão
entre Cristo e sua igreja. Portanto, a partir do evento de Cristo, Deus não
mais tolera nem suporta a poligamia entre seu povo, como suportou pacientemente
no período anterior à sua vinda, pois sua vontade quanto a isto é em Cristo e
sua igreja plenamente revelada. Em Cristo restaura-se o padrão original
estabelecido por Deus no jardim.
4. Deus pode demonstrar a sua vontade sobre um assunto simplesmente
registrando os males associados a ele, como é o caso da poligamia. Apostasia,
ciúmes, invejas, disputas entre mulheres e filhos acompanham o histórico da
poligamia entre os israelitas. A evidência cumulativa depõe contra a poligamia,
mesmo que Deus não tenha se pronunciado expressamente contra ela.
5. Aqui é preciso dizer que a revelação divina se encerrou com o cânon
do Novo Testamento, onde o casamento monogâmico é claramente estabelecido como
a vontade final de Deus para seu povo e a humanidade em geral. Portanto, não
podemos aceitar que Deus, em nossos dias, esteja mudando o conceito de
casamento para incluir o casamento homossexual, uma vez que o homossexualismo é
claramente condenado em toda a Escritura canônica e a mesma se encontra
definitivamente encerrada. Sola Scriptura!
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