Postarei para a edificação
do povo de Deus uma série de cinco estudos bíblicos sobre o risco do calvinismo
exacerbado, no que concerne a soteriologia bíblica. Claro que não concordo com
Armínio em 100% nem com Calvino na mesma proporção, mas acredito que a
interpretação arminiana no que concerne a salvação, eleição, predestinação e
depravação total da raça humana é mais bíblica e aceitável do que a calvinista.
Esta é
a 5ª e última postagem desta série; estudem com calma e tirem suas conclusões.
Esse estudo não é de minha autoria, por isso estou citando as devidas fontes,
como sinal de respeito aos autores.
João Augusto
de Oliveira
Uma
Cristologia Deformada
Ao
mesmo tempo em que minha esposa e eu começamos a questionar o Monergismo,
começamos a nos interessar pelos antigos concílios ecumênicos da igreja. Nós
ficamos fascinados em aprender que o Sexto Concílio Ecumênico (680-681)
forneceu a estrutura para o entendimento da relação entre o humano e o divino
enquanto rejeitou as heresias do Monoenergismo e Monotelismo.
Os
Monotelistas declaravam que enquanto Cristo possuía duas naturezas, Ele possuía
apenas uma vontade. Os Monoenergistas, por outro lado, mantinham que Cristo era
movido por apenas uma ‘energia’.
Levando
em conta que essas duas posições minavam a Cristologia Calcedoniana por
implicar o Monofisismo (a crença que Cristo tem somente uma natureza divina e
não uma humana, a qual seria uma espécie de Docetismo), o Sexto Concílio
Ecumênico (680-681) condenou ambas posições.
Embasado
na teologia de Máximo, o Confessor, (580-662), o concílio forneceu uma
estrutura para o entendimento da relação entre o humano e o divino, e por
extensão, entre o espiritual e o material.
Contra
os Monoenergistas, os Cristãos Ortodoxos da Calcedônia afirmaram que Jesus agia
por intermédio de duas energias: a divina e a humana. Contra os Monotelistas,
eles sustentaram que se Cristo era verdadeiramente homem e verdadeiramente
Deus, então ele deveria ter duas vontades: uma humana e uma divina. As duas vontades
trabalham juntas sinergisticamente, assim como os seres humanos são chamados a
cooperar em sua vontade humana com as energias de Deus. Desta forma, a doutrina
firmada pelo Sexto Concílio Ecumênico ficou conhecida como Dioenergismo,
significando “duas energias”.
Você
deve estar se perguntando o que todas essas coisas tem a ver com o
Calvinismo. Eu confesso que levamos muito tempo para ligar os pontos devido às
profundas heresias Calvinistas estarem enraizadas em nossa mente. Entretanto,
enquanto ainda estávamos presentes em nossa igreja Calvinista, minha esposa e
eu começamos a pensar sobre as implicações soteriológicas do Sexto Concílio
Ecumênico. Percebemos que o Monergismo do Calvinismo parecia ser dirigido por
muitos dos mesmos interesses que moviam os antigos Monoenergistas, pois ambos
tendiam a tratar as duas naturezas, divina e humana, como se elas fossem duas
partes em um jogo de soma zero.
O
Monergismo soteriológico, não menos do que a heresia do Monoenergismo, vê as
naturezas divina e humana competindo pelo mesmo espaço, e ambas querem dar à
divina todos os pedaços do bolo.
Isso
se torna mais claro quando identificamos a questão crucial que o Calvinismo
parece nunca enfrentar diretamente, ou seja, se a vontade humana de Cristo foi
predestinada a obedecer o Pai, ou se Sua vontade humana permanecia isenta da
predestinação aplicada ao resto da raça humana.
Se
dissermos que a vontade humana de Cristo estava isenta da predestinação divina,
então é difícil evitar a implicação de que deve ter havido um verdadeiro
sinergismo não-monergistico e cooperação entre as vontades divina e humana de
Cristo. Mas neste caso, é igualmente difícil enxergar o motivo pelo qual seria
problemático afirmar uma sinergia não-monergística e cooperação similar entre a
vontade divina e a vontade humana quando se trata do resto da humanidade,
especialmente porque Cristo tipifica a relação apropriada entre a humanidade e
a divindade. Dizer que Cristo é isento da predestinação divina também parece
sugerir, pelo menos pela implicação, que alguma versão do livre arbítrio
libertário pode não ser um conceito intrinsecamente incoerente como os
Calvinistas frequentemente querem afirmar.
Por
outro lado, se dissermos que a vontade humana de Cristo não estava isenta da
predestinação divina, então os resultados são igualmente problemáticos para os
Calvinistas. Não me refiro meramente ao problema que nós então teríamos de
Cristo predestinando a Si mesmo, embora isso crie um série de problemas
espinhosos por si só. Ao invés disso, eu me refiro ao fato de que se a vontade
humana de Cristo foi “irresistivelmente” movida pela vontade divina, então
segue-se que deve ter havido somente uma energia operativa em Cristo — uma
energia divina, não uma energia humana — visto que neste esquema a humanidade
de Cristo se torna pouco mais do que uma ferramenta passiva. A razão pela qual
nós podemos dizer que a humanidade de Cristo é reduzida a pouco mais do que uma
ferramenta passiva, é porque a energia humana de Cristo está englobada,
superada, subordinada à energia divina, não porque a vontade humana se rende
genuinamente ao divino em um ato de cooperação e sinergia, mas porque tal
subordinação é requerida pelos termos da própria predestinação.
Uma
vez que você diga que a vontade humana de Cristo estava subordinada e era
irresistivelmente movida pela vontade divina, então você
essencialmente abraçou o Monotelismo. Pois o que poucos Calvinistas
percebem é que o Monotelismo estava mais longe do que meramente uma negação da
vontade humana natural em Cristo, visto que alguns Monotelistas estavam até
contentes em reconhecer que Cristo tinha duas vontades. Ao contrário, fica
claro a partir da obra The Disputation With Pyrrhus de São Máximo,
que suas heresias envolviam a noção de que mesmo se Cristo possuísse ambas
vontades divina e humana, a vontade humana seria somente um tipo de instrumento
que fora usado pela divina em um forma determinada. Conforme Schonborn pontua,
o Monotelismo era “caracterizado pela sua incapacidade de ver a impecabilidade
de Cristo de outra forma que não uma passiva determinação da natureza divina
sobre a natureza humana…”(Schonborn, cited in Farrell, Free Choice in St.
Maximus the Confessor, p. 192). Similarmente, quando Tomás de Aquino estava
descrevendo a heresia Monotelista em sua Summa Contra Gentiles, ele
disse que “eles viam a vontade humana em Cristo inteiramente submetida à
vontade divina, para que Cristo não desejasse nada com sua vontade humana,
exceto aquilo que a vontade divida preparasse para ela desejar”.
Como
isso sugere, mesmo quando eles permitiam duas vontades, o Monotelismo era
caracterizado pela crença de que havia somente uma atividade ou energia
operativa em Cristo, visto que a humanidade de Cristo era essencialmente uma
ferramente que estava subordinada e determinada pela vontade divina.
Como
tal, o Sexto Concílio Ecumênico é tanto uma confissão da necessidade do papel
da vontade humana no esquema da salvação quanto é qualquer outra coisa. “Na
verdade, alguém poderia dizer que em termos de princípios gerais da doutrina
dele [São Máximo] sobre livre escolha, a falta de sinergismo na antropologia
teológica ou em soteriologia … implica e pressupõe uma concepção de Cristo
inerentemente monotelista em suas dimensões” (Farrell, p. 193).
Segue-se
que se a ortodoxia do Sexto Concílio Ecumênico for completamente abraçada,
então a realidade do sinergismo soteriológico não pode ser evitada.
Significativamente, nem mesmo os pais Calcedônios que as vezes parecem endossar
um monotelismo puramente verbal chegaram tão longe ao claro ensino de que a
vontade humana é movida pela divina. “…a visão de que o humano é movido pelo
divino não é uma característica distinta de Atanásio, Cirilo, ou Leôncio de
Jerusalém” (Bathrellos,The Byzantine Christ, p. 93).
É
importante que a fim de defender a metafísica da predestinação, o Ocidente
Latino muitas vezes flertou nas bordas da Cristologia Monoenergista, como
exemplificado na declaração de Anselmo que “a vontade justa que [Cristo] tinha
não veio da [Sua] humanidade mas da [Sua] divindade” (cited in
Pelikan, The Christian Tradition, p. 117). Ou como o teólogo reformado
Lane G. Tipton colocou (sem notar qualquer problema), “O divino e o humano
no Deus-homem, portanto, não são em fim iguais… O divino é primário; o humano,
enquanto real, é subordinado.”
Os
Calvinistas tentarão escapar deste problema afirmando que Cristo tinha tanto a
vontade humana quanto a vontade divina, e que a relação entre as duas
corre paralela à relação entre a nossa vontade e a vontade divina conforme
afirmado pelo Calvinismo histórico. Mas isso é meramente reapresentar o próprio
problema, pois o que é a relação entre a vontade divina e a nossa vontade no
Calvinismo histórico? Pegue qualquer livro reformado desde as Institutas de
Calvino até Chosen by God (Eleitos de Deus) de Sproul e a resposta é
clara: todos os atos justos executados pela vontade humana são apenas possíveis
quando a vontade humana é englobada, superada, subordinada, ou predeterminada
pela vontade divina. Novamente, a questão crítica é se essas categorias
podem realmente descrever a relação entre a vontade divina de Cristo e a
vontade humana de Cristo. O Ocidente Latino geralmente respondeu que elas
podem, que Cristo é tipo máximo de predestinação. Como Agostinho ensinou, “A
mais clara ilustração da predestinação e da graça é o próprio Salvador…” (cited
in Farrell, p. 202). Desta forma, a natureza humana torna-se
essencialmente uma ferramenta passiva de Deus. O resultado se assemelha ao tipo
de dualismo Apolinariano que, nas palavras de Demetrios Bathrellos, “não podia
conceber uma coexistência e cooperação entre as naturezas e vontades divina e
humana em Cristo que respeitasse a particularidade e integridade de ambas.”
A
noção que a natureza humana de Cristo era um tipo de ferramenta passiva usada
por Deus não é peculiar do calvinismo, mas foi a posição tomada por muitos
monotelistas, tais como Theodore de Pharan no século VII, que caiu na armadilha
de dar ênfase demasiada à hegemonia do divino sobre o humano em Cristo.
Conforme Demétrios Bathrellos resumiu a posição de Theodore, “a energia de
Cristo é única… sua divindade e sua humanidade tinham uma energia… Cristo tinha
uma única vontade, a divina…”(The Byzantine Christ, pp. 69-70). Theodore
alcançou essa posição a partir das premissas que Calvinistas (especialmente os
da tradição de Jonathan Edwards) tomam como axioma, isto é, “ênfase na
iniciativa divina, sobre a completa subordinação do humano ao divino…” Em
conjunto com muitos outros Monotelistas do século VII, Theodore de Pharan “atribuiu
cada iniciativa ao poder do Logos, e pensou na humanidade de Cristo como um
mero veículo por meio do qual os atos são realizados.” Para Theodore, a
humanidade de Cristo é um instrumento mais ou menos passivo de sua divindade.”
Desta forma, Theodore incitou o que Bathrellos corretamente chamou de “uma
sobre-assimétrica ênfase na redenção com trabalho exclusivo de Deus… a vontade
de Jesus Cristo é idêntica à vontade divina” (Bathrellos, p. 71).
O
que foi deixado de lado por Theodore e pelo Calvinismo é a afirmação
de sinergia entre a vontade humana e a vontade divina, sinergia esta que parece
ter sido o entendimento por detrás do veredito do Sexto Concílio Ecumênico. No
ensino de São Máximo o Confessor (o principal arquiteto teológico da vindicação
de Diotelismo do Sexto Concílio Ecumênico), a vontade humana de Cristo não é
determinada pela vontade divina, mas autodeterminada. “Se o Logos não assumiu o
poder de autodeterminação da natureza que ele criou, “ou ele condenou sua
própria criação com algo que não é bom… ou ele negou-nos a cura da nossa
vontade, privando-nos da salvação completa… Maximus repetidamente declarou sua
crença que a alma humana não é movida por nada, mas é autodeterminada. Ademais,
ele diz em outro lugar que o homem tem, por natureza, “um poder com movimento
independente e sem mestre”. Em adição, ele repetidamente caracterizou a vontade
humana como autodeterminada. Conforme foi mostrado, para Maximus a vontade
humana é caracterizada tão fundamentalmente pela autodeterminação que ela pode
ser identificada com isso. O Logos encarnado possui uma vontade humana
autodeterminada, o que o faz capaz de desejar como um homem de uma forma
autodeterminada, e assim usar o poder de autodeterminação da sua vontade
humana. (Bathrellos, The Byzantine Christ, 131 & 166–7 & 169).
Um
Calvinista consistente deve negar que a vontade humana possui tal poder de
autodeterminação. Dessa forma, a obediência de Cristo ao Pai, ao ponto de
morrer, torna-se ou um tipo de dramatização falsificada ou algo atribuído somente
à Sua natureza divina. A noção de que a humanidade de Cristo foi simplesmente
uma ferramenta passiva surge de vez em quando na polêmica reformada
contemporânea. As vezes isso é explícito, como quando o teólogo Calvinista R.C
Sproul reduz a humanidade de Cristo a uma mera ferramenta passiva usada
por Deus. De acordo com a Cristologia padrão da Calcedônia, não foi uma
natureza que sofreu na cruz (divina ou humana), mas uma pessoa divina
real: a Palavra; a segunda pessoa da Trindade; o próprio Deus encarnado. Ao
contrário, Sproul mantém que a segunda pessoa da Trindade não morreu na cruz.
Em seu livro The Truth of the Cross, Sproul condena a declaração “foi a
segunda pessoa da Trindade que morreu” e adiciona “Nós devemos sentir-nos
horrorizados com a ideia de que Deus realmente morreu na cruz. A expiação foi
feita pela natureza humana de Cristo.”
Mas
nós não deveríamos ficar horrorizados com a ideia de que Deus realmente morreu
na cruz, porque Deus realmente morreu na cruz. A natureza humana em sí não pode
sofrer; apenas pessoas podem sofrer, e neste caso foi a pessoa do Deus-homem
que sofreu e foi sepultado e ao terceiro dia ressuscitou. Para ser consistente
com esta extração do Deus-homem da cruz, Sproul também teria que dizer que
Maria não foi realmente portadora de Deus, mas que ela simplesmente deu à luz a
uma natureza humana que foi então usada por uma pessoa divina de uma
determinada forma.
Essa
separação radical da natureza e pessoa, age como um tampão conveniente para
Calvinistas modernos separarem Deus da dor do mundo, de modo que a pessoa do
Verbo não experimentou realmente a humilhação na cruz, apenas uma “natureza
humana abstrata.” O escândalo da encarnação e crucificação que criou tanto
desconforto para os gnósticos é igualmente difícil para os Calvinistas de hoje.
Os gnósticos tentaram resolver o problema com um Docetismo que separava
Cristo da materialidade, enquanto os calvinistas na tradição de Sproul
tentam resolver o problema por um cripto-Nestorianismo que sequestra a segunda
pessoa da Trindade de Sua natureza humana passando por nascimento e morte (como
diz Sproul, “a morte é algo que só pode ser experimentada pela natureza humana
…”). No entanto, separar a natureza humana de Cristo da pessoa divina, de
modo que os atos centrais da encarnação podem ser ditos do primeiro sem tocar o
último, nega a afirmação explícita de o Credo Niceno que Ele era “verdadeiro
Deus de verdadeiro Deus”, que foi crucificado, sofreu e foi sepultado. O
Concílio de Constantinopla, foi ainda mais explícito em afirmar que Ele era
“verdadeiro Deus, Senhor da Glória e Um da Santíssima Trindade”, que nasceu e
morreu na cruz. Essencialmente, este tipo de Calvinismo transforma a humanidade
de Cristo em uma mera ferramenta passiva. Por trás disso está o recorrente
senso de angústia entre os teólogos reformados — transmitido pelo
compromisso irracional com o Monergismo — contra qualquer
sinergia entre o divino e o humano, o espiritual e o material.
Objeções
e Respostas
Objeção
#1: Você representa Sproul equivocadamente visto que o ponto dele é
meramente que a natureza divina não morreu (tornou-se inexistente) na cruz.
Resposta
à Objeção #1: Na controvérsia que seguiu seu livro, Sproul poderia
facilmente ter esclarecido as coisas dizendo, “O que eu realmente quis dizer
foi que enquanto a Segunda Pessoa da Trindade morreu, Ela não deixou de
existir.” Mas Sproul nunca disse isso. Por quê não? Porque ele parece realmente
crer que certas coisas (p. ex., a morte) podem acontecer à humanidade de Cristo
sem também acontecerem ao Logos, isto é, a Pessoa Divina (Deus) encarnada.
Ademais, Sproul é dúbio sobre se “o Deus-homem” é o mesmo que o
Logos. (Por exemplo, ele implicitamente nega que o Deus-homem e o Logos
são um e o mesmo quando ele diz, “Alguns dizem, ‘foi a Segunda Pessoa da Trindade
que morreu’. Isso seria uma mutação dentro do verdadeiro ser de Deus.”)
Entretanto, conforme eu pontuei acima, se isso for verdade então Maria não foi
realmente a portadora de Deus, mas apenas “portadora da natureza humana”, o que
foi condenado como heresia. Ademais, Perry Robinson observou que isso
também é Nestorianismo, visto que trata a natureza humana como um objeto
distinto do Logos.
Mas
vamos dar à Sproul o benefício da dúvida e assumir que por “morte” Sproul que
realmente dizer cessação da existência. Se concedermos isso, então muitos
outros novos problemas surgem, dos quais o pior é o fato de que o próprio Jesus
demonstrou que a morte física não implica a cessação ou não-existência da
pessoa que morreu. Ademais, se a palavra “morreu” na declaração de Sproul (Nós
devemos sentir-nos horrorizados com a ideia de que Deus realmente morreu na
cruz”) refere-se meramente à cessação de existência, então Sproul aplicou
termos teológicos com significados incomuns e pessoais. Isso minaria sua
reivindicação de trabalhar dentro da tradição e abraçar o Sola Scriptura ao
invés do Solo Scriptura. (A diferença é esplanada aqui.)
Finalmente,
se Sproul esta usando o termo ‘morte’ com um significado incomum, você ainda
teria o problema que ele vai além disso para manter que foi a natureza humana
de Cristo que sofreu na cruz. Novamente, a razão pela qual isso é problemático
e que a natureza não pode salvar. Apenas pessoas podem fazer isso. A menos que
uma pessoa divina tenha sofrido e sido sepultada, então ainda estamos mortos em
nossos delitos. Considere: Foi uma Pessoa que nasceu de Maria, ou simplesmente
uma natureza? Uma pessoa sofreu, ou uma natureza sofreu? Uma pessoa morreu, ou
uma natureza humana morreu? Em cada caso, a última posição neca a união hipostática.
Objeção
#2: Sproul está simplismente dizendo que a expiação “foi feita pela
natureza humana de Cristo.” O que há de mal nisso?
Resposta
à objeção #2: Se a expiação foi feita pela natureza humana de Cristo, então, ou
a pessoa morreu na cruz ou a pessoa não morreu na cruz. Se a pessoa não morreu,
mas meramente a natureza humana, então isso é Docetismo. Coforme Bryan
Cross explicou,
“A
natureza canina não morre quando um cão morre. A natureza suína não morre
quando um suíno morre. A natureza equina não morre quando um cavalo morre. Ao
invés disso, um cão morre, um suíno morre, ou um cavalo morre. Naturezas não
são entidades concretas, mas somente abstrações; elas não vivem ou morrem. Elas
pertencem aos serem que vivem ou morrem. Desta forma, se a reivindicação é que
somente a natureza morreu, isso implica não somente que ninguém morreu, mas que
nada morreu. E neste caso, nós temos Docetismo.”
Por
outro lado, se uma pessoa morreu na cruz, então essa pessoa era (1) meramente
humana, ou (2) divina e humana. A alternativa #1 implica que nós ainda estamos
em nossos pecados; enquanto a #2 significa que a pessoa divina sofreu e morreu,
o que Sproul nega explicitamente. Citando novamente Cross,
Ou
uma mera pessoa humana morreu, ou uma pessoa divina morreu. Mas de qualquer
forma uma pessoa morreu. Assim, se nos afirmamos que um organismo humano
morreu, mas negamos que uma Pessoa divina morreu, nossa posição implica que uma
possoa humana morreu. E isso é Nestorianismo. Desde que, por um concílio
Ecumênico nós sabemos que não há duas pessoas; mas somente uma Pessoa divina,
há somente uma resposta ortodoxa possível: uma pessoa divina morreu na cruz.
Em
outro lugar Bryan Cross resumiu o dilema completo que Sproul criou para si
mesmo:
Sproul
está aqui corretamente preocupado em proteger a doutrina da imutabilidade da
natureza divina. Mas ele pensa que, a fim de proteger essa doutrina, a Segunda
Pessoa da Trindade não pode ter morrido na cruz. Isso implicaria ou (a) que
nenhuma pessoa sofreu, morreu, e fez expiação por nossos pecados, mas somente
alguma coisa impessoal e criada fez tudo isso por nós; ou (b) que uma pessoa
não-divina sofreu, morreu, e fez expiação por nós. A última posição é uma forma
da heresia do Nestorianismo, condenado no Terceiro Concílio Ecumênico em Éfeso
em 431 d.C. A primeira posição anularia a eficácia da expiação por nossos
pecados pela mesma razão que o sangue de bois e cabras não podem tirar pecados
(Hb 10:4); o sacrifício de Cristo pelo qual Ele fez a satisfação pelos nossos
pecados é de tão grande valor e mérito precisamente porque o cordeiro que foi
morto por nossos pecados é Deus, não uma mera criatura.
Sproul
adiciona que “foi o Deus-homem quem morreu”. Mas isso apenas cria o seguinte
dilema. Ou o “Deus-homem” é a mesma pessoa que a Segunda Pessoa da Trindade, ou
o “Deus-homem” não é a mesma pessoa que a “Segunda Pessoa da Trindade”. Se
temos a primeira parte do dilema, então o “Deus-homem morreu e, então, a
Segunda Pessoa da Trindade morreu, e Sproul está contradizendo o que ele disse
no primeiro trecho do parágrafo. Mas se tomamos a segunda parte do dilema,
então temos [tanto (a) ou (b)] ou (c) a Primeira ou a Terceira Pessoa da
Trindade sofreu, morreu e fez expiação por nós. A consequência de ambas as
partes do dilema são profundamente problemáticas, por razões óbvias.
Pelo
Contrário, a Igreja Católica ensina que não foi a natureza que sofreu, morreu e
fez expiação, mas a Segunda Pessoa da Trindade quem sofreu, morreu, e fez
expiação por nós em Sua natureza humana. Nós dizemos no Credo Niceno:
O
qual por nós homens e pela nossa salvação desceu do céu,
E
encarnou por obra do Espírito Santo, da Virgem Maria,
E
foi feito homem.
Foi
crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos,
Padeceu
e foi sepultado.
A
mesma Pessoa que “desceu do céu” e “e encarnou da Virgem Maria” é a mesma
Pessoa que “foi crucificada sob o poder de Pôncio Pilatos” e “padeceu e foi
sepultado”. Essa Pessoa é a asegunda Pessoa da Trindade, não uma natureza
impessoal ou uma coisa criada. Quando dizemos que Cristo sofreu a morte, não
estamos querendo dizer que havia uma mudança na natureza divina, mas que Ele
suportou a separação de Sua alma do Seu corpo. O Canon 12 do Concílio de Éfeso
(o qual condenou o Nestorianismo) diz: “Seu alguém não confessa que o Verbo de
Deus sofreu em carne, e experimentou a morte na carne, e foi feito o
primogênito dentre os mortos [Cl 1:18] segundo o qual, como Deus, Ele é ao
mesmo tempo a vida e o doador da vida, seja anátema.
Assim,
o que está por trás da razão para a reivindicação de Sproul de que a Segunda
Pessoa da Trindade não morreu, e que uma mera natureza humana sofreu, morreu, e
fez expiação por nós? Parece-me que negar que a Segunda Pessoa da Trindade
padeceu e morreu por nós na cruz é o resultado de múltiplos fatores. Um fator,
penso eu, é a negação protestante (o uma relutância geral em afirmar) que Maria
é Theotokos (Mãe de Deus). Se ela deu à luz à apenas uma natureza humana, então
somente uma natureza humana padeceu e morreu na cruz. Mas se ela deu à luz à
Segunda Pessoa da Trindade, então a Segunda Pessoa da Trindade padeceu, morreu,
e fez expiação por nós. Outro fator é a aderência Protestante ao Sola Scriptura,
de acordo com o qual, concílios, incluindo o Concílio de Éfeso, não tem
autoridade e são em última análise desnecessários: “Todo o conselho de Deus
concernente a todas as coisas necessárias para a glória dele e para a salvação,
fé e vida do homem, ou é expressamente declarado na Escritura ou pode ser
lógica e claramente deduzido dela..” (Confissão de Fé de Westminster I.6) [Nota
1]
Por
Robin Phillips
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Tradução:
Samuel Coutinho
Fonte: http://orthodoxyandheterodoxy.org/2014/01/23/why-i-stopped-being-a-calvinist-part-5-a-deformed-christology/
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Notas
do tradutor:
[1]
Certamente os dois fatores apresentados por Cross são irrelevantes para a
negação calvinista de que a segunda pessoa da trindade morreu na cruz.
Protestantes em geral, dos quais a maioria não é calvinista, creem que a pessoa
que morreu naquela cruz era realmente Deus ao mesmo tempo que relutam em
concordar com a terminologia da igreja católica sobre Maria e que creem no Sola
Scriptura.
[2]
Assim como Robbin Philips, que abandonou o calvinismo e abraçou o
catolicismo, já vi muitas histórias de reformados que nos últimos anos tomaram
esse mesmo caminho. As críticas apresentadas nesta série de artigos são
extremamente pertinentes, todavia, não creio que são motivos
adequados para abandonar o protestantismo e migrar para o catolicismo, mas
apenas para abandonar o TULIP.