Conforme publicado na edição anterior (no 86), prosseguiremos em nosso estudo sobre as festas da cultura judaica. Desta feita, o tema será “a festa de Pentecoste”. Trata-se de uma celebração plena de regozijos e com alto signifi cado tipológico para o cristianismo. Contudo, gostaríamos de lembrar aos leitores que as nossas explanações sobre essas festas não privilegiam uma interpretação alegórica dos fatos, antes, procuram enfatizar seu signifi cado histórico-cultural, levando em consideração as correspondências bíblicas com o período neotestamentário.
Assim, é relevante reiterarmos as três importantes razões (ou essência) das festas publicadas na edição anterior.
A saber:
- A riqueza, o simbolismo e o objetivo das comemorações na cultura oriental. No caso em questão, a cultura judaica bíblica.
- O caráter primordial das festas. No caso do Pentecoste, a comemoração marcava o início da colheita de trigo.
- A correspondência das festas no âmbito escriturístico (Antigo e Novo Testamentos).
Devido a alguns exageros que se tem percebido na “exploração” dessas festas por parte de alguns “evangélicos”, que tentam judaizar a igreja, é de suma importância dizer que os verdadeiros seguidores de Cristo não comemoram literalmente tais festas, antes, respeitam seu valor para a cultura judaica e reconhecem sua aplicação, mas com as devidas reservas.
Etimologia
O livro de Deuteronômio, mais precisamente na referência 16.10, denomina o Pentecoste como Shavuot ou Chag há-Shavuot, cuja tradução é: “Festa das Semanas”. Esse designativo está relacionado ao período de sete semanas que os judeus deviam esperar para, posteriormente, observarem a comemoração.
Nos escritos rabínicos, a celebração era denominada Chag há-mishshim yom, que signifi ca “festa dos cinqüenta dias”. A palavra “pentecoste” é de proveniência grega e se reporta ao período de “cinqüenta dias”(pentekonta hemeras). Ou, ainda, ao ordinal “o qüinquagésimo dia” (he pentekoste hemera).
A razão da festa
Além de Shavuot, é conhecida como Chag há Bicurim (“Festa das Primícias”) e Chag há-Catsir (“Festa da Colheita”). “Cada um desses nomes é um refl exo da natureza agrícola da festa, que era celebrada no fi m da primavera, quando a nova safra de trigo era colhida, oferecendo-se um sacrifício especial de agradecimento no templo”. 1 “O Pentecoste era considerado um dia de júbilo, conforme descrito em Deuteronômio 16.16. E era, essencialmente, um dia em que o povo rendia graças a Deus pelo abundante suprimento da colheita”. 2 “Assim como a páscoa recordava a Israel que Deus era seu redentor, de igual maneira a ‘festa das semanas’ lembrava aos israelitas que o Senhor era também seu sustentador, o doador de toda a boa dádiva”. 3
Procedimentos da festa
O Manual dos tempos e costumes bíblicos afirma que cinqüenta dias após a celebração da páscoa, época de colheita da cevada, vinha a colheita do trigo, quando era comemorada a “festa de Pentecoste”, ou a “festa das semanas”. Vejamos a prescrição bíblica: “Depois para vós contareis desde o dia seguinte ao sábado, desde o dia em que trouxerdes o molho da oferta movida; sete semanas inteiras serão. Até o dia seguinte ao sétimo sábado, contareis cinqüenta dias” (Lv 23.15,16).
A leitura de Levítico 23.15-22 também informa as diretrizes que deveriam ser seguidas pela comunidade judaica durante o procedimento dessa reunião solene.
A festa de Pentecoste faz parte das “solenidades do Senhor”, das “santas convocações”. Em verdade, existiam três festas sincronizadas em Israel: Pessach, Shavuot e Sucot, respectivamente: Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos, conhecidas como as “Festas da Peregrinação”, quando os judeus de várias partes de Israel e nações vizinhas iam para Jerusalém em grande quantidade para essa celebração. Afora o serviço que deveria ser executado nessa festa, nenhuma outra obra servil poderia ser realizada. Os homens, em especial, não deveriam negligenciar esse momento sem uma justificativa razoável. Tinham a obrigação de participar.
Na ocasião, de acordo Levítico 23.17-20, dois pães assados eram oferecidos e levados pelo sacerdote diante do Senhor. Sem contar o sacrifício cruento pelo pecado e ofertas pacíficas. Esses procedimentos, além de serem uma manifestação de agradecimento, representavam, simultaneamente, liberdade e regozijo. Os judeus, durante esse período, lembravam-se que, outrora, tinham sido libertos da escravidão no Egito: “E lembrar-te-ás de que foste servo no Egito; e guardarás estes estatutos, e os cumprirás” (Dt 16.12).
O Pentecoste e o Cristianismo
A Bíblia não menciona explicitamente a presença de Jesus na festa de Pentecoste. Mas como Jesus era judeu (Gl 4.4) e cumpridor da lei (tal como ele próprio demonstra em Mateus 5.17), e sendo que as festas se baseavam no texto vetero-testamentário, certamente Ele participou de todas elas, em muitas ocasiões. A despeito dessa ressalva, é fato que, no Novo Testamento, essa festividade está mais associada à pessoa do Espírito Santo, por ocasião de seu “derramamento” (ou seja, sua vinda) sobre os discípulos reunidos no cenáculo (At 2.1-13) no dia de Pentecoste.
Logo após a ressurreição, Jesus ordenou aos discípulos: “Ficai, porém, na cidade de Jerusalém, até que do alto sejais revestidos de poder” (Lc 24.49). Jesus apareceu aos apóstolos durante quarenta dias e, depois dessas ocorrências, fez a promessa do recebimento do Espírito Santo de forma poderosa e singular, conforme Atos 1.3,4.
Analisando atentamente o cômputo dos dias da festa e subtraindo os quarenta dias em que Jesus apareceu aos apóstolos, temos que os discípulos aguardaram, por dez dias, o cumprimento da promessa. Prosseguindo no raciocínio, em Atos 2.1 está escrito que: “Cumprindo-se o dia de Pentecoste, estavam todos concordemente no mesmo lugar”. Os discípulos esperaram pacientemente pelo cumprimento da ordem de Jesus, e, independentemente de agentes auxiliadores, ao ter início o qüinquagésimo dia após a Páscoa, o Espírito Santo foi derramado, de maneira sobrenatural, sobre as 120 pessoas que o aguardavam. Esse acontecimento, sem dúvida alguma, é um dos marcos importantes do cristianismo, pois, segundo alguns estudiosos, registra o início da Igreja cristã na terra.
Nesse dia, encontravam-se em Jerusalém judeus de várias partes do mundo, em obediência à prescrição da lei mosaica (Torah) quanto à observação da festa. A multidão ficou surpresa com a manifestação divina e todos perguntavam entre si: “Pois quê! Não são galileus todos esses homens que estão falando?
Como, pois, os ouvimos, cada um, na nossa própria língua em que somos nascidos?” (At 2.7). Eles não ouviam um simples som representando uma versão moderna, atual e correta da famigerada torre de Babel, mas conversavam entre si dizendo que ouviam, em sua própria língua, as pessoas falando das grandezas de Deus. O apóstolo Pedro, aproveitando a ocasião, pregou a Palavra de Deus e, depois de um poderoso sermão, a Bíblia informa que, “naquele dia, agregaram-se quase três mil almas” (At 2.41). Assim foi o Pentecoste, o início da colheita de vidas preciosas para a composição do reino do nosso Salvador Jesus.
Jesus, o Espírito Santo e o Pentecoste
O evangelista João historiou que Jesus, após ressuscitar, apareceu aos discípulos, “assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo” (Jo 20.22). Com certeza, essa doação do Espírito Santo tinha em vista a continuação da missão de Cristo. João, por várias vezes em seu evangelho, mencionou o Espírito Santo como uma promessa outorgada por Jesus aos apóstolos, discípulos e cristãos em geral: “E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre” (Jo 14.16).
O Espírito Santo estaria com os cristãos primitivos mediante a promessa de Jesus, não apenas continuando a missão de Cristo, mas substituindo-o como o allos (“outro da mesma espécie”), corroborando, dessa forma, com a ortodoxia teológica de que o Espírito Santo é outra pessoa, emancipada de Cristo, em termo de personalidade.
João também ressalta que “o dom do Espírito Santo não deve ser separado do evento da morte, ressurreição e ascensão de Jesus; é o resultado e conseqüência imediatos e diretos da ‘glorificação’ e ‘ascensão’ de Jesus”.4 A promessa enfatizada por Jesus aos discípulos em geral (Lc 24.49; At 1.4,5) aconteceu, pois, “cumprindo-se o dia de Pentecoste, [quando] estavam todos concordemente no mesmo lugar” e, após receberem o poder do alto, todos “foram cheios do Espírito Santo”.
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Notas:
1- KOLATCH, Alfred J. Livro judaico dos porquês. São Paulo: Sefer, 2001, p. 227.
2- Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. Verbete “pentecoste”.
3- HOFF, Paul. O Pentateuco. São Paulo: Vida, 1997, p.186.
4- Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Verbete “pentecoste”.
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