“… Lembrai-vos deste mesmo dia…” (Ex 13:3)
Isto foi dito acerca da Páscoa.
À luz desta afirmação vale lermos também Êxodo 12:14: “Este dia vos será por memória, e celebrá-lo-eis por festa ao Senhor; nas vossas gerações o celebrareis por estatuto perpétuo”. “Guardai isto por estatuto para vós, e para vossos filhos para sempre” (1). A solenidade da Páscoa e a sua mensagem profética exigia a solene advertência feita por Deus ao povo de Israel.
Por que Deus insistia tanto em que este dia – o dia em que os exércitos de Israel saíram da dura escravidão do Egito para a liberdade da Terra Prometida – estivesse constantemente nos corações e nas mentes dos Israelitas? Por que tinham de lembrar sempre, com muita solenidade e não menos temor, este dia da libertação duma escravidão vergonhosa que durara 400 anos na terra de Faraó? Que efeito deveria ter esta libertação nas suas vidas?
A tal ponto o acontecimento se reveste de solenidade que, ao perguntarem pela vida fora os seus descendentes “Que culto é este vosso?” (2), eles teriam de contar a velha história, e com tal gama de pormenores e sentido de reverência e gratidão, que o fato deveria assumir para com os descendentes, em todo o tempo da sua história os mesmos sentimentos de libertação, de gozo, de providência e ação divina reveladas naquela noite solene. Sim, naquela noite quando o sangue do cordeiro, aspergido nas ombreiras e na verga das portas de suas casas no Egito, fora o sinal da proteção, da passagem misericordiosa de Deus sobre suas habitações, poupando a vida dos seus primogênitos (3).
Não seria a lembrança daquele glorioso livramento, um motivo que os devia compelir a uma vida de fidelidade ao Senhor? Como os seus corações não deveriam estar cheios de gratidão?! Como poderiam eles esquecer Deus, que tão graciosamente lhes mostrara a Sua grande misericórdia?
A lembrança da libertação deles também deveria ser para cada israelita, um motivo não apenas de fidelidade, mas igualmente de consagração total da vida e dos seus bens. Nisso estava o fundamento da sua redenção. Deus reclamava, como sendo Sua propriedade, todos os primogênitos dos filhos de Israel, como igualmente os filhos dos animais – os primogênitos que o Senhor poupara -, como representantes de toda a família e de todos os animais. É deveras importante o significado desta plena consagração. Mais adiante, no serviço do culto, os levitas serão dados em lugar dos primogênitos, e todos os animais limpos que abrissem a madre como meio de sacrifício pelos pecados do povo.
“FAZEI ISTO EM MEMÓRIA DE MIM”. – Isto foi dito pelo Senhor Jesus naquela noite solene em que Ele comeu a Páscoa com os Seus discípulos e a seguir instituiu a Ceia do Senhor (4). Como o Senhor Jesus Cristo está ansioso para que tenhamos constantemente ante nossos olhos, e nos nossos corações, a lembrança viva da Sua morte na Cruz, mediante a qual fomos remidos da escravidão do pecado e do poder de Satanás! Que influência a lembrança da Sua Obra vicária deverá ter nas nossas vidas! Que sublime e que solene o Seu ensino! Eis os desafios:
— À luz de 1 Pedro 1:15- 19, a Cruz constitui o motivo que nos impele a viver uma vida de plena santificação.
— À luz de 2 Coríntios 5:14, 15, a Cruz torna-se o motivo que nos impele a viver uma vida desinteressada, sem ambição das coisas deste mundo.
— Pensemos n’Ele e à luz de Romanos 12:1, e veremos que a Cruz nos impele a viver uma vida de plena dedicação até ao sacrifício.
O assunto quanto à Ceia do Senhor reveste-se de muita solenidade. Não é um cerimonial qualquer, não é um ritual que pode ou não passar por alto na experiência dos verdadeiros servos de Deus. Nem é, tão pouco, algo que tenhamos fé de praticar segundo ideias humanas. Nada de ritos pomposos, cerimônias misteriosas! Mas quanto de realidade, de tocante, de influência espiritual! É com verdadeiros sentimentos de amor e gratidão que pensamos naquela cena sublime – a primeira celebração da Cela do Senhor!
O mesmo Jesus no meio dos discípulos, prestes a ser separado deles, traído, negado, desamparado, condenado, vituperado, açoitado e crucificado; não obstante consolando-os e instituindo este tocante “Memorial” de Amor, amor que ardia com inextinguível chama pelos Seus, e que levaria Cristo às profundezas de uma dor incomparável, e até inconcebível, a fim de os remir e garantir-lhes bênçãos eternas e celestes!
“FAZEI ISTO EM MEMÓRIA DE MIM”- Como isto é sublime na sua simplicidade! Que coisa podia melhor trazer Jesus e o Seu amor à memória do Seu povo, de um modo tão calculado a sensibilizar seus corações, como estes símbolos do Seu corpo e do Seu sangue — Seu corpo dado, Seu sangue derramado na morte?
Podemos avaliar a importância que o Senhor liga a esta instituição simples mas sublime, pelo facto d’Ele ter pessoalmente, e desde a Glória celeste, comunicado os pormenores dela ao apóstolo Paulo, segundo lemos no capítulo 11 da 1 Coríntios, e tendo como remate: “Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor, até que venha”. Meditemos um pouco nessa cena admirável em Jerusalém.
Quem estava presente? Jesus e os Seus discípulos, tendo perante eles os símbolos da Sua morte. É isso exatamente o que sucede hoje em dia, quando o povo do Senhor se reúne para o Seu nome – estão eles e o Senhor no meio deles; diante deles os símbolos da Sua morte, sendo o Espirito Santo neles o poder pelo qual revive neles a memória do Senhor na Sua morte. E, de “cada vez que comerdes este pão e beberdes este vinho, anunciais a morte do Senhor, até que venha”. Que grande o privilégio de nos reunirmos, como sendo “um só pão e um só corpo”, palavras que nos falam da nossa perfeita unidade com o Senhor. É por este motivo que Paulo ensina: “Porventura o cálice de bênção, que abençoamos, não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não é porventura a comunhão no corpo de Cristo?” (5)
“FAZEI ISTO EM MEMÓRIA DE MIM”; “ANUNCIAIS A MORTE DO SENHOR ATÉ QUE VENHA”- Como o Senhor Jesus deseja que este seja um “Memorial” não apenas perpétuo, até que Ele venha, mas um “Memorial” sem fermento, pão sem farinha de joio; vinho não feito “a martelo”, como sói dizer-se. Pessoas estranhas cercando a mesa do Senhor? Nem pensar nisso! Pessoas não convertidas a participarem da comunhão no corpo e no sangue de Cristo? Não dá para se admitir!
Comunhão é comunhão, é ter em comum, é ter a mesma fé, ter a certeza do perdão dos pecados, da salvação que os elementos pão e vinho simbolizam. Comunhão é viver na luz como Ele está na luz; é amar a verdade no íntimo; é experimentar a ligação com Deus; é seguir a Sua Palavra; é amar os irmãos; é viver não mais para si mesmo, mas para Aquele que por nós morreu e ressuscitou. É viver na comunhão do Espirito Santo que, através da Ceia do Senhor, nos diz que “Ele vem” (6).
Como é possível subestimar e ainda liberalizar nos nossos dias o valor e importância da Ceia do Senhor? Permitir à Mesa do Senhor pessoas que não são salvas; pessoas que ainda não morreram com Cristo e para o pecado; pessoas que têm o nome de cristãos mas vivem ainda como pagãos, conservando ídolos na sua residência, sintomas de idolatria e culto de demônios nas suas casas e vidas? Qual é o “Memorial” que ensinamos aos nossos filhos e às gerações antes da Segunda Vinda do Senhor? Não é possível ser-se “participante da Mesa do Senhor e da mesa dos demônios” (7).
O erro subtil de Satanás, “aquela antiga serpente que engana todo o mundo”, é fazer-nos crer que é interessante, que será um bom testemunho para as pessoas não salvas, não batizadas, não participantes da membresia da igreja local, as quais ficam a saber de uma cerimônia tão linda, de uma cerimônia com um significado tão interessante! E medimos com rigor que para ser-se participante da igreja local, com seus privilégios e deveres, temos de ser batizados com o verdadeiro baptismo cristão; mas quanto à Ceia do Senhor, cujo memorial é tão rigoroso como o foi a Páscoa para os Israelitas, isso não tem tanta importância, e daí “examine-se o homem a si mesmo e assim coma deste pão e beba deste cálice”! É bem-vindo, é livre para tomar parte na Ceia… Filosofia barata. Interpretação dupla!
O que Paulo recebeu do Senhor e ensinou aos coríntios, ao dar a instrução para a prática deste sublime “Memorial”, foi “que na noite em que Jesus foi traído…” (8). Parece-nos ouvir Cristo a dizer-lhe: “Paulo, nessa noite, quando Eu lavei os pés a Judas Iscariotes, ele saiu e foi vender-me, traiçoeiramente, cinicamente aos sacerdotes”. A Ceia do Senhor celebrada de qualquer maneira a fim de impressionar alguém, a fim de ser apenas parte de um ritual, cheira-nos a traição. Traição é deslealdade, intriga, aleivosia, perfídia.
Todo o alcance dos propósitos e conselhos de Deus — a revelação de Si próprio na plenitude da Sua graça, e os seus propósitos eternos para o Filho do Seu amor -, tudo achou o seu centro naquilo que a Ceia do Senhor nos fala: a morte de Jesus.
Como podem as nossas almas contemplar aquela cena da morte de Jesus, o centro de duas eternidades, sem se dirigirem em profunda adoração ao Pai? Assim, cada vez que nos reunirmos para celebrar o nosso “Memorial” e nos lembrarmos d’Ele, permita Deus que seja essa também uma ocasião em que havemos de adorar o Pai em espírito e em verdade.
Que a Ceia do Senhor seja apreciada por nós como um dos nossos maiores e mais sublimes gozos cá na Terra. Guarde-nos o Senhor de fazermos festa “com o fermento da maldade e da malícia”, mas antes com os asmos da sinceridade e da verdade” (9). Amém!
(1) Ex 12:24. (2) Ex 12:26b. (3) ver Ex 20:2; Dt 5:6; 6:12; Jl 24:16, 17; Jz 6:8-10. (4) Lc 22:13-20. (5) 1 Co 10:16, 17. (6) Ap 22:17. (7) 1 Co 10:20, 21. (8) 1 Co 11:23. (9) 1 Co 5:8.
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ALFREDO MACHADO, FONTE: REVISTA “ NOVAS DE ALEGRIA” – 199
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