Sobre a Trindade, em geral, as concepções teológicas surgidas ao longo dos séculos são as seguintes: há três deuses independentes (triteísmo); há apenas um Deus que aparece e opera em três modos (modalismo); há apenas uma Pessoa, que é Deus, tendo sido Cristo sua primeira criação (unitarismo); e, finalmente, há uma divindade existindo três Pessoas (trinitarianismo). Este breve artigo, portanto, falará um pouco sobre o sabelianismo (também chamado modalismo), uma heresia primitiva que preservou resquícios de algumas seitas atuais, como, por exemplo, os unicistas da Igreja Local, do Tabernáculo da fé e da Igreja Evangélica Voz da Verdade.
Sabélio (180-250)
Nasceu na Líbia, África do Norte, no século 3º depois de Cristo. Depois, mudou- se para a Itália, passando a viver em Roma. Ao conhecer o evangelho, logo se tornou um pensador respeitado em suas considerações teológicas. Recebeu influência do modalismo, que já estava sendo divulgado na África.
O modalismo ocorreu, no início, como um movimento asiático, com Noeto de Esmirna. Seus principais expoentes foram: Noeto, Epógono, Cleômenes e Calixto. Na África, foi ensinado por Práxeas e na Líbia, defendido por Sabélio. Hoje, o modalismo é muito conhecido pelo nome sabelianismo, devido à influência intelectual fornecida por Sabélio.
O objetivo de Sabélio era preservar o monoteísmo a qualquer custo. Tinha uma finalidade em vista que, para ele, justificava os meios. Ensinava que havia uma única essência na divindade, contudo, rejeitava o conceito de três Pessoas em uma só essência. Afirmava que isso designaria um culto triteísta, isto é, direcionado a três deuses. A questão poderia ser resolvida, afirmava ele, pelo conceito de que Deus se apresentou com diversas faces ou manifestações. Primeiramente, Deus se apresentou como Deus Pai, gerando, criando e administrando. Em seguida, como Deus Filho, mediando, redimindo, executando a justiça. E, finalmente e sucessivamente, como Deus Espírito Santo, fazendo a manutenção das obras anteriores, sustentando e guardando. Uma só Pessoa e três manifestações temporárias e sucessivas.
O Que Pregava o Sabelianismo
Sabelianismo é o entendimento teológico segundo o qual Deus é uma única pessoa. Não há uma segunda pessoa chamada Filho e muito menos uma terceira, chamada Espírito. Antes, perpassando por toda a Bíblia, os sabelianos entendiam que, quando pensamos na ação de criar e controlar o Universo realizada por Deus, o Senhor Deus deve ser chamado de Pai. Quando pensamos que Deus realiza o ato de redimir o ser humano, deve ser chamado de Filho. E, quando pensamos que Ele está santificando a sua Igreja, deve ser chamado de Espírito Santo.
Os três nomes significam, segundo o sabelianismo, três atividades (funções) diferentes da mesma Pessoa. Certamente, os sabelianos do passado e os unicistas dos dias atuais podem reconhecer Cristo como verdadeiro Deus do verdadeiro Deus, e isso soa muito bem para o público evangélico. Mas, o termo “filho”, segundo os unicistas, é apenas um nome para um dos três tipos de funções exercidas por Deus.
O sabelianismo implica (ou no mínimo coincide) em algo que foi chamado de “patripassionismo”. Ou seja, a ideia de que o Pai sofreu na cruz. Esta nunca foi realmente a dedução lógica do sabelianismo, porque os sabelianos defendiam que o Deus que sofreu na cruz é apropriadamente chamado “Filho” e não “Pai”. Tertuliano causticamente comentou que essas pessoas (os sabelianos) “põem o Paracleto (Espírito Santo) em fuga e crucificam o Pai”.
A Fórmula Batismal e a Bênção Apostólica
Em resposta a tais visões, uma das evidências do Novo Testamento a ser citada para defender que Deus não é uma única Pessoa vem da fórmula batismal: “Batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mateus 28.19). Há versículos do Novo Testamento que mencionam apenas Cristo e não citam nem o Pai nem o Espírito Santo: “Ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte?”. (Romanos 6.3). “Porque todos quantos fostes batizados em Cristo já vos revestistes de Cristo” (Gálatas 3.27).
Essas duas referências não se harmonizam com o sabelianismo, porque não faz sentido batizar em uma função de um Deus que possui três funções. Quanto à fórmula trinitariana, alguém poderia perguntar: “Se o Pai é simplesmente uma função, como o Filho e o Espírito são funções, o batismo é função de quem?”. O batismo sabeliano requereria algo como: “Eu te batizo em nome da criação, da redenção e da glorificação”, mas, obviamente, esta não é a fórmula cristã, e não podemos, de modo algum, nos ajustarmos ao sabelianismo.
É igualmente importante esclarecer, que no Novo Testamento, o termo “Pai”, nas passagens pertinentes, não expressa uma relação com o homem. Em geral, o “Pai” é o “Pai do Filho” e não o “Pai dos homens”. A fórmula trinitariana de Mateus 28.19 não salienta o que Deus faz, antes, salienta o próprio Deus como uma unidade composta.
Em adição à fórmula batismal, temos também a chamada “bênção apostólica”: “A graça do nosso Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo esteja com todos vocês. Amém” (1Coríntios 13.13). A ordem dos nomes nesse texto é bastante peculiar. O sabelianismo requereria que o “amor de Deus” fosse mencionado primeiro, mas não é isso o que ocorre, porque não passa de uma lógica humana. Além disso, quem disse que o termo “Deus” precisa necessariamente ser interpretado como “Pai”? Na verdade, mesmo aqueles que creem na Trindade são surpreendidos pelo fato de o Pai não ser mencionado primeiro.
Deus é Sempre o Pai?
O trinitarianismo poderia conceber uma identificação do termo “Deus” com a noção de “Pai” e, assim, separar o “Filho” e o “Espírito Santo”? Charles Hodge, estranhamente, nem mesmo menciona essa dificuldade em seu Comentário aos coríntios. Alguém pode, portanto, entender que, à medida que o cristianismo começou a parecer diferente do judaísmo, emergiu da fraseologia do Antigo Testamento o termo “Deus” como uma designação do “Pai”, no lugar de aplicá-lo uniformemente ao Filho ou ao Espírito Santo.
Basta lermos, por exemplo, alguns trechos das cartas do apóstolo Paulo: “Paulo, apóstolo (não da parte dos homens, nem por homem algum, mas por Jesus Cristo, e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos), e todos os irmãos que estão comigo, às igrejas da Galácia: graça e paz da parte de Deus Pai e do nosso Senhor Jesus Cristo” (Gálatas 1.1-3 – grifo do autor).
Somado-se a essas duas fórmulas (batismal e apostólica), o Novo Testamento contém muitas outras passagens pelas quais podemos inferir a existência de três Pessoas na divindade e não apenas três atividades ou funções. Uma das passagens mais longas é a chamada “oração sacerdotal”, em João 17. Uma função (ou atividade) não pode orar a uma função (ou atividade). Como Jesus poderia orar ao Pai se Ele próprio é o Pai exercendo a função de Filho?
Além disso, essa oração, em muitos lugares, distingue o Filho do Pai. Tomemos, por exemplo, o versículo 5: “E agora glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que tinha contigo antes que o mundo existisse”. Distinções pessoais dificilmente poderiam ser mais claramente apresentadas. Pensemos, ainda, no versículo 18: “Assim como tu [Pai] me enviaste ao mundo, também eu [Filho] os enviei ao mundo [os discípulos]”. Mas, como poderia uma função enviar outra função?
Os termos “Pai”, “Filho” e “Espírito Santo” não expressam três relacionamentos para com os seres humanos criados. O Filho é o Filho do Pai. O Pai e o Filho enviam o Espírito, que já era o Espírito antes mesmo de ser enviado (Gênesis 1.1-2). Essas distinções, que dificilmente podem ser negadas como sendo diferenças entre pessoas, são conclusivas sobre os argumentos do sabelianismo.
A Bíblia Contra o Sabelianismo
Veja, a seguir, uma pequena lista de versículos pertinentes e que causam dificuldades para os unicistas atuais:
“E eis que uma voz dos céus dizia [voz do Pai]: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mateus 3.17);
“Todas as coisas me foram entregues [ao Filho] por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mateus 11.27);
“E ele [o Filho] lhes disse: Por que é que me procuráveis? Não sabeis que me convém tratar dos negócios de meu Pai?” (Lucas 2.49);
“E disse [o Filho] aos que vendiam pombos: Tirai daqui estes, e não façais da casa de meu Pai casa de venda” (João 2.16);
“E também o Pai a ninguém julga, mas deu ao Filho todo o juízo, para que todos honrem o Filho, como honram o Pai. Quem não honra o Filho, não honra o Pai que o enviou” (João 22-23);
“Jesus respondeu: Se eu me glorifico a mim mesmo, a minha glória não é nada; quem me glorifica é meu Pai, o qual dizeis que é vosso Deus” (João 8.54);
“Portanto, vos quero fazer compreender que ninguém que fala pelo Espírito de Deus diz: Jesus é anátema, e ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito Santo” (lCoríntios 12.3);
“Porque, a qual dos anjos disse jamais: Tu és meu Filho, hoje te gerei? E outra vez: Eu lhe serei por Pai, e ele me será por Filho?” (Hebreus 1.5).
Como os unicistas podem lidar com tantas evidências bíblicas contrárias? A resposta é uma só: se rendendo à Bíblia e assumindo a concepção ortodoxa da Santíssima Trindade na expressão de um Deus que existe eternamente em três pessoas distintas, numa unidade perfeita e composta.
FONTE: CLARK, Gordon H. The Trinity. 2a. ed. Jefferson, Maryland (EUA.): Trinity Foundation, 1990, p.8-12.
Extraído da Revista Defesa da Fé, jul-ago/2011, p.16-18.
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